segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Cartas marcadas - Saiba como identificar uma licitação direcionada

Muito tem se falado de licitações direcionadas, favorecimento em contratos administrativos, corrupção e outros temas relacionados, entretanto, com enfoque nas críticas ao sistema ou às pessoas. O

por Jonas Lima 

Muito tem se falado de licitações direcionadas, favorecimento em contratos administrativos, corrupção e outros temas relacionados, entretanto, com enfoque nas críticas ao sistema ou às pessoas.

O objetivo do presente trabalho é empreender uma análise breve, mas essencialmente técnica, a fim de demonstrar que, de acordo com a legislação vigente, os próprios os empresários têm muitas oportunidades de fazer um verdadeiro controle externo da legalidade nos processos licitatórios.


Nas perguntas e respostas a seguir apresentadas será ilustrado de forma bem objetiva como se pode identificar e comprovar o direcionamento de uma licitação, por meio da utilização das faculdades processuais garantidas em lei.

Qual a primeira iniciativa do empresário ao tomar conhecimento de uma nova licitação?

O edital não pode ser analisado às vésperas da abertura do certame, tendo em vista a necessidade de leitura atenta. Inclusive, comparando a parte principal do documento com os anexos porque, uma vez identificadas falhas ou contradições, a atuação estará limitada aos prazos da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações) e das outras relacionadas.

Deve haver tempo hábil para eventual consulta aos autos, extração de cópias, pedidos de esclarecimentos e, ainda, impugnação administrativa, sem descartar o manejo de representações perante tribunais de contas e ações judiciais. Quem não age no momento oportuno está tendente a levar prejuízo.

Dentro do edital, como verificar os primeiros indícios de direcionamento?

O direcionamento de uma licitação deve ser apurado a começar pela regra do artigo 3º, parágrafo 1º, inciso I, da Lei 8.666/93, que veda as “preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato”.

Se a Administração possui discricionariedade para estabelecer exigências em razão da sua necessidade concreta, por outro lado, o licitante deve alertá-la de que o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal dispõe que as exigências devem se limitar àquelas “indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

É preciso apurar a pertinência da exigência em face da segurança da contratação, analisando se existem outras licitações similares sem aquela exigência e se o empresário possui informações adicionais para demonstrar à Administração que é possível cumprir com as obrigações do contrato sem a restrição imposta.

Como fica a questão de marcas e modelos nos editais?

O artigo 7º, inciso I, parágrafo 5º, da Lei 8.666/93 estabelece que “é vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório”.

Já o seu artigo 15, parágrafo 7º, inciso I, estabelece que deve haver a especificação completa do bem a ser adquirido “sem indicação de marca”.

Isso vem sendo cobrado há anos pelo Tribunal de Contas da União, mas ainda são comuns os excessos nos editais. Nesses casos, ninguém melhor do que o próprio empresário, que possui o feeling da sua atividade comercial, para identificar se as regras legais estão sendo violadas, inclusive de forma implícita.

Para fazer um trabalho seguro, o empresário deve realizar uma comparação criteriosa, ponto a ponto do edital, com as características ou especificações de seus próprios produtos e serviços e aqueles das outras empresas do mercado no qual atua. E mais uma vez são oportunos exemplos de outros editais similares, além da apresentação de explicações estritamente técnicas que justifiquem porque determinada característica, efetivamente, não é necessária para aquilo que se será contratado.

Essa atuação prévia aumenta as chances de sucesso em representações nos tribunais de contas e ações judiciais.

Qual a importância de averiguar os registros das audiências públicas que antecedem a publicação dos editais?

As audiências públicas, comuns em casos de obras públicas ou outros contratos de grande porte, estão previstas no artigo 39 da Lei 8.666/93, basicamente, como oportunidades de discussão sobre questões de grande vulto ou complexidade.

Em tese, devem se amplamente divulgadas. Entretanto, ainda que o empresário não tenha tomado conhecimento de uma audiência ou uma consulta pública, ele deve requerer ao órgão a vista dos autos e cópias dos documentos produzidos, como as atas e manifestações de empresas que se fizeram presentes. Porque nesses momentos costumam surgir críticas ao futuro edital da licitação e daí podem começar a despontar os indícios de direcionamento de uma licitação.

Uma vez verificados os documentos que deram origem à licitação, será mais fácil e seguro para o empresário analisar a versão final do edital, em busca de problemas que foram alertados anteriormente, por outras empresas, mas não considerados pela Administração.

Sempre que uma licitação é feita para um conjunto considerável de produtos, obras ou serviços caracteriza-se o direcionamento?

Não, a começar porque o artigo 15, inciso IV, da Lei 8.666/93 estabelece que as compras, “sempre que possível”, deverão “ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade”. Ou seja, isso vai depender de cada caso concreto.

O artigo 23, parágrafo 1º, da mesma lei, também determina que “as obras, serviços e compras efetuadas pela administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade, sem perda da economia de escala”.

Já o parágrafo 7º do mesmo dispositivo prevê que “na compra de bens de natureza divisível e desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo, é permitida a cotação de quantidade inferior à demandada na licitação, com vistas a ampliação da competitividade, podendo o edital fixar quantitativo mínimo para preservar a economia de escala”.

Todos esses fatores nitidamente comerciais devem ser analisados pelo empresário e alertados ao agente público que está conduzindo a licitação, por exemplo, quando a falta de divisão do objeto licitado puder implicar em contratação mais onerosa e restrição à competitividade.

Por fim, deve-se alertar para fracionamentos ilegais de licitações que visem, em segundo plano, apenas burlar a modalidade licitatória cabível, em contrariedade aos parágrafos 2º e 5º do mesmo dispositivo legal mencionado.

Como fica a comparação de um edital novo em face do contrato do atual prestador de serviço de um órgão público?

Muitas vezes, pode-se interpretar que um edital está sendo dirigido para a empresa que já presta serviços a determinado órgão. Entretanto, isso exige muita cautela, porque se as necessidades e a demanda do órgão público não foram modificadas, a tendência é que o novo edital seja semelhante ao anterior ou que repita muitas exigências ou quase tudo que já está no contrato atual.

Isso dependerá de cada caso concreto, começando o trabalho do empresário pela análise das atuais necessidades e da demanda do órgão público, além da análise da pertinência das exigências do novo edital para a execução dos serviços.

Em uma licitação recém-publicada, qual a importância de ter vista da íntegra do processo? O direito existe desde o momento inicial?

A importância de ter vista dos autos com antecedência é considerável e qualquer cidadão ou licitante pode ter acesso desde as fases iniciais do processo, inclusive requerer a cópia “de capa à capa”. Não se sustentam as alegações de que o direito de acesso somente ocorre quando a licitação já está em fase de disputa, em face de documentos dos concorrentes.

Aliás, convém ressaltar que o direito de acesso aos autos físicos existe mesmo no caso de pregão eletrônico, embora haja uma dificuldade prática em razão da localidade da empresa, etc. Frise-se: mesmo o pregão eletrônico possui o seu processo documentado em papéis.

Para resolver se isso será necessário, o empresário deve avaliar a necessidade específica em face do que consta no edital. Muitas vezes, esse procedimento aumenta as chances de se constatar o direcionamento de uma licitação, após a leitura de consultas iniciais ou cotações feitas para estimativa de valores (quais empresas ou fabricantes foram consultados, por exemplo), pareceres jurídicos e técnicos, além de despachos e outros documentos.

A publicidade na Administração é princípio no artigo 37 da Constituição Federal, repetindo-se a sua obrigação em diversas normas legais específicas. O artigo 3º, parágrafo 3º, da Lei 8.666/93, por exemplo, estabelece que “a licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura”.

O que fazer quando é negado o direito a vista e cópia de um processo licitatório?

Além da regra específica do parágrafo 3º do artigo 3º da Lei 8.666/93, diante do seu interesse específico, o empresário também pode utilizar o direito de petição do artigo 5º, inciso XXIV, alínea “a”, da Carta Magna e o artigo 3º, inciso II, da Lei 9.784/99, que trata do processo administrativo federal, e que reforça o argumento de acesso aos autos e extração de cópias. Lembre-se que “interessado”, nos termos do artigo 9º, inciso II, da mesma Lei, pode ser aquele que tem “direitos ou interesses” que possam ser afetados pela decisão a ser adotada. Nisso se inclui, portanto, a decisão de manter de um edital de licitação restritivo.

Por outro lado, a Lei 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia, estabelece em seu artigo 7º, inciso XIII, que são direitos do advogado, entre outros, o de “examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos”.

Dessa forma, caso o próprio empresário não consiga acesso aos autos e às cópias, mesmo sem procuração, o advogado possui prerrogativas para buscar a solução do problema.

Qual a importância dos pedidos de esclarecimento e das impugnações aos editais para se apurar direcionamento na licitação?

A Lei 8.666/93, em seu artigo 40, inciso VIII, refere-se ao pedido de esclarecimento. E em seu artigo 41, parágrafos 1º e 2º, trata da impugnação ao edital. Já o Decreto 3.555/00, que regula a modalidade licitatória do pregão, no artigo 12 do seu anexo I, também prevê a possibilidade de pedido de esclarecimento e impugnação ao edital. Por fim, o Decreto 5.450/05, que trata especificamente do pregão eletrônico, em seu artigo 18 dispõe sobre a impugnação e, em seu artigo 19, prevê o pedido de esclarecimento.

Ao utilizar todas essas oportunidades, conforme o caso, o empresário terá provocado a discussão sobre determinado tema. Inclusive, poderá adiantar suas informações sobre a impertinência de determinadas exigências, restrição à competitividade, características exclusivas de produtos ou serviços, etc.

Tudo isso constitui a preparação para que ele obtenha os argumentos da parte contrária, ou seja, da Administração. Isso lhe dará mais segurança para concluir se a licitação está ou não direcionada. Esse trabalho também aumenta as chances de sucesso em representações nos tribunais de contas e ações judiciais.

Conclusão

Cada empresário pode ser um verdadeiro fiscal das licitações, exercendo o seu direito próprio, por meio dos mecanismos legais, ao mesmo tempo em que estará exercendo um controle externo da Administração.

Sobre o autor
Jonas Lima: sócio de Palomares Advogados, pós-graduado em Direito Público pelo IDP. Especialista em licitações e contratos administrativos, é autor do livro A defesa da empresa na licitação – Processos administrativos e judiciais.

Favorecimento de empresas em licitações... E pode?!


Pooode, claro que pode! Aliás, pode e já faz muito tempo, embora somente recentemente esteja mais "em moda". Basta voltarmos no tempo, lá nos idos de 1988 quando foi promulgada a nossa retalhada constituição federal, mais especificamente nos artigos 170, IX e 179 "caput", que para facilitar a compreensão dos queridos leitores, reproduzimos para, em seguida comentar:

Constituição Federal

Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IX - Tratamento favorecido para empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País

...

Art. 179 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei

É oportuno ressaltar que, embora tivesse a sua previsão no texto constitucional inicial, o inciso IX do Art. 170 começou a ganhar força com a nova redação produzida pela EC (Emenda Constitucional) 06/95.

Como se vê, o favorecimento, no texto constitucional ganha outra denominação, talvez pela inútil pretensão dos legisladores-constituintes de retirar-lhe a conotação pejorativa, passando a ser chamado de tratamento favorecido e diferenciado. Seja lá como for, é como se pretendessem dizer que seis não é seis, mas, meia-dúzia, o que não muda nada quando a sua finalidade é uma só, ou seja, a de dispensar um tratamento distinto entre classes empresariais, no caso, às microempresas e empresas de pequeno porte.

Sendo constitucional, o favorecimento não só pode como deve ser praticado, pois é lei, e à essa regra, curvam-se todas as esferas de governo, valendo dizer, a União, Estados-Membros, Municípios, Distrito Federal e todos os poderes constitucionalmente instituídos, a saber, executivo, legislativo, judiciário, assim como os Tribunais de Contas, Ministério Público e os órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta.

Como tudo que nasce tem o poder de procriar, ainda mais quando se trata de uma constituição, que estabelece alguns direitos, porém, remete-os, em grande parte, para aplicação através de normas complementares, assim também ocorreu com os dispositivos constitucionais citados acima, que "puseram os ovos" que, ao quebrarem nos revelaram vários outros diplomas legais, a exemplo das Leis 8.864/94 - que versa sobre micro e pequenas empresas; 9.317/96 - que dispõe sobre o regime tributário das micro e pequenas empresas; 9.841/99 - Estatuto da microempresa e o SIMPLES; em seguida, quebrou-se o ovo do qual saiu a LC (Lei Complementar) n. 123/06, batizada de Estatuto Nacional das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - esta LC revogou as leis 9.317/96 e 9.841/99; e, por fim, nasceu mais uma cria: o Decreto n. 6.204/07 que, agora sim, escancarou em seu enunciado quanto a sua finalidade, qual seja, a de estabelecer tratamento favorecido, diferenciado e simplificado às microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações públicas de bens, serviços e obras, no âmbito da administração pública (destaque para o fato de que o enunciado refere-se apenas às contratações no âmbito de União)

O segmento empresarial contemplado com tamanho benefício está, até agora, dando pulos de alegria. Afinal, o advento da Lei Complementar 123/2006 começou a pavimentar o caminho por onde deve passar em busca do pote de ouro, ou seja, quer abocanhar aqueles R$ 500 milhões que o governo diz ter para gastar em compras e serviços junto aos microempresários e empresários de pequeno porte. É uma festa só.

Mas nem tudo é um "mar de rosas". Se por um lado a legislação trouxe grande vantagem para uns, do outro lado está o segmento empresarial chamado de "normal", ou seja, aquele que não pode usufruir dos benefícios - muitos por sinal - destinados às microempresas e empresas de pequeno porte, e que, portanto, não se conforma em ter que dividir - para muitos, desigualmente - a fatia do mercado, notadamente quando o assunto é negócios com o poder público.

Mas o tema de hoje é apenas introdutório. Na verdade, o que quero chamar a atenção, tanto do segmento empresarial, quanto para os agentes públicos encarregados nas licitações, é para as importantes mudanças procedimentais que a LC 123/2006 provocou, pois é nas licitações que esse "favorecimento"se materializa. Quando se pensava que todo mundo já estava se familiarizando com a malfadada Lei 8.666/93, surgem outras leis e muda tudo, e haja palestras, cursos, treinamentos, e haja comentários aqui no Blog.

Ainda esta semana, entraremos no mérito dessa questão, e vamos contar em detalhes as mudanças, na prática, decorrentes da LC 123/06. Vamos ver se a gente desata esse nó!

Até outra.